Pesquisas lançam novo olhar para a degradação de filmes de perovskitas
Materiais são principal promessa na área de energia fotovoltaica, mas compreender e mitigar sua degradação é um grande desafio
Perovskitas são uma classe de materiais que promete revolucionar a área de energia fotovoltaica, com potencial de complementar ou substituir as células solares a base de silício, com maiores valores de conversão de energia, menor custo e uma grande diversidade. No entanto, um dos desafios a ser superado para a aplicação em larga escala é o aumento da estabilidade desses materiais, que hoje rapidamente perdem eficiência na conversão de energia solar em energia elétrica quando expostos a condições ambientais como a própria luz do Sol e a umidade.
O termo “perovskita” descreve a estrutura dos átomos ou moléculas, que pode ser representada genericamente como ABX3. A fórmula indica a existência de três componentes ocupando posições diferentes na estrutura cristalina, que se organiza de modo cúbico. Neste cubo, um dos componentes (A) ocupa os vértices, outro (B) o centro do cubo e o terceiro (X) o centro de cada face do cubo. Cada posição pode ser ocupada por elementos distintos e, no caso das posições A e X, é possível inclusive que sejam compostas por dois ou até três componentes diferentes.
Duas pesquisas realizadas na divisão de Portadores Densos de Energia (DEC) do Centro de Inovação em Novas Energias (CINE) e publicadas recentemente resultaram em contribuições importantes à compreensão dos processos envolvidos na degradação de perovskitas e, assim, à busca de estratégias para mitigá-la. Um dos estudos investigou a degradação das chamadas perovskitas mistas (com dois cátions A e dois haletos X diferentes). O trabalho identificou, dentre outros resultados, como concentrações maiores ou menores de um determinado componente alteram o processo e a velocidade de degradação. Uma segunda pesquisa conseguiu diminuir a degradação ao acrescentar um polímero à composição de perovskitas de haleto de chumbo.
As chamadas perovskistas de haleto de chumbo (MAPbI3) figuram entre as primeiras composições estudadas, e foram o objeto do estudo do CINE publicado no Journal of Materials Chemistry C em junho deste ano. Nele, os pesquisadores adicionaram à composição da perovskita um copolímero (polímero formado por tipos diferentes de monômeros). O material integrou a solução precursora do filme de perovskita (composta por iodeto de metilamônio – MAI –, iodeto de chumbo – PbI2 – e o copolímero em uma mistura de solventes) e, como resultado, obteve-se a manutenção de 68% da eficiência de conversão de energia após 480 horas (20 dias) de exposição da célula solar às condições ambientais (umidade e iluminação). A composição original, sem adição do copolímero, manteve apenas 47% da eficiência inicial. Além de constatarem esse incremento na estabilidade, os pesquisadores puderam investigar e descrever os processos responsáveis pela diminuição da degradação.
“A proteção da camada ativa de perovskita nas células solares muitas vezes é feita por encapsulamento, ou seja, pelo revestimento com outros materiais, o que, dentre outras desvantagens, pode aumentar o custo de produção. No estudo, alteramos a composição da perovskita mantendo as suas propriedades e, assim, obtendo ganho de estabilidade no próprio material, intrínseco”, explica Francineide Lopes de Araújo, pesquisadora de pós-doutorado vinculada à DEC e uma das autoras do artigo. A pesquisa foi o foco do mestrado de Jeann Carlos da Silva, realizado sob orientação de Ana Flávia Nogueira, Coordenadora da Divisão. Além deles, assinam o artigo outros integrantes do Laboratório de Nanotecnologia e Energia Solar da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), coordenado por Nogueira, e também pesquisadores do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) e do Centro de Tecnologia de Informação Renato Archer (CTI).
O segundo estudo, publicado no Journal of Materials Chemistry A, em abril, estudou filmes de perovskitas mistas CsxFA1-xPb(BryI1-y)3 com o objetivo de compreender a fundo seu processo de degradação, o que é importante não apenas para buscar mitigá-lo, mas também para saber quais produtos são gerados nas diferentes etapas e, assim, saber também cuidados necessários com resíduos, por exemplo. Como já registrado, um dos principais resultados foi a identificação da relação entre a concentração de bromo (Br) e, também, de césio (Cs), na perovskita e a sua degradação, sendo que maiores concentrações levaram a um processo mais rápido. Outra importante constatação foi que, diferentemente da perovskita MAPbI3, cujo produto principal de degradação é o PbI2, essas perovskitas originam produtos mistos hidratados.
Um destaque deste estudo foi o uso da microscopia eletrônica de varredura em modo ambiente para a análise in situ durante a degradação. “Para perovskitas, este é um estudo inédito na literatura, pois em geral esse tipo de microscopia é realizada em ambiente de vácuo. A técnica que utilizamos possibilitou a presença de vapor d’água e, assim, a observação do impacto na degradação enquanto o processo estava acontecendo”, explica Paulo Ernesto Marchezi, também pesquisador de pós-doutorado na DEC e primeiro autor do artigo. Neste caso, as colaborações contam, além do LNLS, com a participação de pesquisadores da Stanford Synchrotron Radiation LightSource (SSRL), do Instituto de Física da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da Universidade de São Paulo.
A publicação resultante, intitulada “Degradation mechanisms in mixed-cation and mixed-halide CsxFA1-xPb(BryI1-y)3 perovskite films under ambient conditions” pode ser conferida aqui e, além de Marchezi e Nogueira, tem como autores Eralci Moreira Therézio, Rodrigo Szostak, Hugo Campos Loureiro, Helio C. N. Tolentino e Michael F. Toney.
Já o artigo intitulado “Effect of the incorporation of poly(ethylene oxide) copolymer on the stability of perovskite solar cells” pode ser conferido neste link. Além de Araújo, da Silva, Marchezi, Nogueira e Szostak, assinam o trabalho Raphael Fernando Moral e Jilian Nei de Freitas.
É importante registrar que, além da eficiência de conversão e da estabilidade, o terceiro maior desafio para o uso disseminado de células solares de perovskitas é a sua fabricação em grande escala mantendo as propriedades obtidas em laboratório, frente de trabalho na qual a DEC também vem atuando.
– Confira aqui vídeo do processo de degradação da perovskita mista
Legenda da foto: Representação da estrutura da perovskita (Crédito: Divulgação – CINE)