Pesquisadores do CINE propõem novas estratégias para a caracterização eletroquímica de materiais usados em supercapacitores
24 de June de 2020
24 de June de 2020

Grupo da Divisão de Armazenamento Avançado de Energia alerta que várias medidas atuais podem mostrar falsos resultados impossíveis de obter em dispositivos reais

A busca por novas tecnologias que concretizem a transição energética para fontes sustentáveis envolve, muitas vezes, a necessidade de superação de barreiras entre resultados obtidos nos laboratórios e a aplicação em dispositivos eficientes, duráveis e com relação entre custo e benefício que viabilize sua utilização em larga escala. Na área de armazenamento de energia, pesquisadores vinculados à divisão de Armazenamento Avançado de Energia (AES) do Centro de Inovação em Novas Energias (CINE) alertam, em artigo de revisão publicado recentemente, que o uso inapropriado de algumas técnicas de caracterização de materiais usados em supercapacitores baseadas na eletroquímica podem estar dificultando a superação dessa barreira.

Baterias e capacitores têm, por definição, comportamentos eletroquímicos distintos e, assim, propriedades e funções também diferentes, e complementares. A principal qualidade das baterias é a quantidade total de energia que pode ser armazenada nesses dispositivos e, no caso dos capacitores, o que mais importa é a potência e, assim, a possibilidade de carregamento e de liberação da energia em curtos intervalos de tempo. 

Combinados, os dispositivos podem permitir a liberação rápida de grandes quantidades de energia e, também, seu carregamento rápido. “O capacitor tem propriedades que a bateria não tem, e vice-versa. Em um ônibus elétrico, por exemplo, se você tivesse somente uma célula a combustível a hidrogênio, que é uma bateria de fluxo gasoso, o veículo não aceleraria conforme o desejado, porque ela não exibe elevada potência, mas sim elevada energia armazenada. A bateria carrega o supercapacitor e, quando você acelera o veículo, é o supercapacitor que rapidamente libera a energia elétrica. A energia primária do sistema elétrico não vem do supercapacitor, que não converte continuamente energia química em elétrica, mas é ele que armazena temporariamente a energia recebida, podendo liberá-la rapidamente”, ilustra Leonardo Morais da Silva, docente atuante no Laboratório de Eletroquímica Fundamental e Aplicada da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), um dos autores do artigo.

Para que a demanda global por dispositivos de armazenamento de energia com alta performance no cenário de transição energética possa ser atendida, a pesquisa nas últimas décadas tem focado o desenvolvimento de materiais nanoestruturados com propriedades sob medida para aplicações específicas. No caso do CINE, os pesquisadores têm trabalhado especialmente com materiais de eletrodo porosos a base de carbono decorados com diferentes tipos de materiais, que têm a vantagem de permitir o armazenamento de maior quantidade de carga elétrica em dispositivos menores, já que, neles, é maior a quantidade de carga e potência por unidade de volume (a chamada densidade volumétrica de carga e energia). E, para que haja avanços reais no caminho entre o conhecimento fundamental e a aplicação tecnológica, é fundamental que a caracterização eletroquímica desses novos materiais se dê com o uso de métodos e modelos teóricos adequados à sua natureza porosa.

Na primeira parte do artigo publicado recentemente, o foco está na distinção fundamental entre baterias, capacitores e supercapacitores mencionada anteriormente. Mas é na segunda parte que os pesquisadores do CINE trazem sua principal contribuição. Nela, o grupo faz uma análise abrangente da literatura para embasar justamente o alerta sobre o uso inadequado de alguns métodos e de teorias clássicas na caracterização de materiais usados nos supercapacitores.

“O objetivo principal do artigo é tratar de boas práticas científicas. Nós fizemos a revisão da literatura e identificamos que há um erro recorrente nos estudos eletroquímicos, em que eletrodos que seriam úteis para baterias são erroneamente caracterizados como se fossem apropriados para supercapacitores. Tratando os dados de forma errada, são obtidos valores ilusórios de capacitância específica (unidades de F/g), que não existem e só aparecem porque a caracterização não foi feita corretamente. Ou seja, nestes casos o que se tem em mãos é uma capacidade específica (unidades de Ah/g) inerente às baterias”, explica Leonardo Morais da Silva.

Segundo os pesquisadores, as conclusões apresentadas no artigo invalidam vários dados relatados e algumas equações utilizadas na literatura da área, ou seja, em artigos sobre novos materiais para supercapacitores, inclusive em periódicos de renome. “Com isso, materiais apresentados como muito promissores para supercapacitores se revelam não tão promissores assim. Se formos usá-los em dispositivos práticos, não alcançaremos os parâmetros de mérito anunciados, como, por exemplo, os valores de capacitância e potência nominais que o sistema acomoda, que cairão muito”, complementa o pesquisador.

Morais da Silva avalia que essa interpretação equivocada dos achados experimentais muitas vezes resulta de desconhecimento sobre os aspectos fundamentais da eletroquímica de dispositivos sólidos. “A Eletroquímica é uma ciência transdisciplinar, que exige conhecimentos em Química, Física e Matemática, conhecimentos fundamentais. Muitas vezes, o pesquisador da área aplicada usa softwares acoplados aos equipamentos que coletam os dados para análise dos resultados, em que esses métodos inapropriados já estão embutidos, e se ele não tem conhecimento dessas questões, não identifica na raiz do problema que o resultado está errado”, explica.

Por isso, junto à crítica, o grupo do CINE propõe estratégias mais adequadas, baseadas em boas práticas científicas, para a caracterização dos materiais que constituem os eletrodos porosos usados nos supercapacitores. A publicação compartilha, assim, diretrizes para o estabelecimento de protocolos que permitam a equalização de resultados experimentais obtidos em diferentes laboratórios, relativos à capacitância específica de supercapacitores, bem como à devida distinção entre baterias e supercapacitores, que nem sempre é óbvia. Com isso, a expectativa é que valores mais realistas de quantidades eletroquímicas possam ser determinados e reportados apropriadamente por diferentes grupos de pesquisa.

O artigo, intitulado “Reviewing the fundamentals of supercapacitors and the difficulties involving the analysis of the electrochemical findings obtained for porous electrode materials”, pode ser conferido no periódico Energy Storage Materials. Também assinam a publicação Hudson Zanin, Reinaldo Cesar, Bruno Morandi Pires, Rafael Vicentini e Willian Nunes, todos da AES, e Cássio M. R. Moreira, Jéferson H. M. Santos e Lindomar G. de Souza, da UFVJM.


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