Pesquisas visam conversão de metano em metanol e outros produtos em células a combustível
Desenvolvimento de catalisadores é essencial ao avanço da tecnologia, que envolve também a cogeração de energia elétrica
Células a combustível figuram entre as tecnologias promissoras na transição energética para um cenário com fontes renováveis e mais sustentáveis para a produção de energia elétrica. Um uso potencial menos conhecido dessa tecnologia é a transformação do metano (CH4), principal componente do gás natural, em produtos – combustíveis e insumos industriais – de maior valor agregado, como o metanol (CH3OH), com cogeração de energia elétrica. Esses produtos têm grande interesse como combustíveis e, especialmente, como valiosa fonte de produtos químicos industriais.
Na extração do petróleo, o metano é geralmente queimado, gerando gás carbônico. Ele é considerado um dos principais gases de efeito estufa e, por isso, sua transformação em outros produtos, junto ao interesse econômico, tem também grande relevância ambiental. Além da exploração de petróleo e gás natural, o metano também pode ser obtido de lixões e estações de tratamento de esgoto, onde é resultado do processo de fermentação.
No entanto, até que as células a combustível alimentadas por metano possam ser usadas em larga escala, há uma série de desafios a serem superados, que vão da melhor compreensão das reações químicas que ocorrem durante a sua operação, passando pelo desenvolvimento de catalisadores para essas reações, até as etapas de desenvolvimento tecnológico. No Centro de Inovação em Novas Energias (CINE), Centro de Pesquisa em Engenharia apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pela Shell, a divisão de pesquisa Metano a Produtos (M2P) tem entre os seus projetos esforços voltados a todas essas etapas.
O projeto 13 – “Desenvolvimento de catalisadores para a formação seletiva de metanol em sistemas de células combustíveis” –, um dos seis projetos vinculados à M2P, é coordenado por Almir Oliveira Neto, pesquisador do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN). “Nas células a combustível, o objetivo sempre foi a geração de energia elétrica. Agora, neste sistema que desenvolvemos, a energia é um subproduto, e o mais importante são os outros produtos gerados, como o metano”, explica o pesquisador. “Um outro avanço é que conseguimos fazer isto em baixa temperatura, em torno de 100ºC, quando falar em ativação e conversão de metano em geral é falar em temperaturas acima de 1.000ºC”, acrescenta.
“O metano é o hidrocarboneto mais estável, quase inerte, e por isso a ideia mais disseminada sempre foi a de que ele servia para queimar. Existem alguns trabalhos com fotocatálise para quebra da ligação C-H, e vários outros com o uso da temperatura, mas a solução eletroquímica é bem mais rara”, situa Rodrigo Fernando Brambilla de Souza, pesquisador de pós-doutorado no IPEN, que também integra a equipe do projeto. “Nesse contexto, o uso da célula a combustível, um dispositivo eletroquímico abastecido por gases, passou a parecer interessante. No IPEN, já havia uma tradição de pesquisa estabelecida com células a combustível a hidrogênio e etanol, e nós imaginamos que poderíamos fazer ajustes na operação para buscar a transformação do metano em outros produtos”, conta Souza.
Células a combustível são formadas por três compartimentos – dois eletrodos (ânodo e cátodo) e um eletrólito entre eles, em um esquema similar ao das baterias, com as quais estamos mais familiarizados. Sobre os eletrodos, nas camadas em que ocorre a difusão dos gases, eletrocatalisadores são depositados com a utilização de diferentes técnicas. Nas pesquisas do CINE, os cientistas acompanham a formação de diferentes produtos das reações que ocorrem nessas células, dependendo do lado em que o gás metano é introduzido – no ânodo ou no cátodo. Para tanto, usam tecnologias chamadas de “online” por permitirem a realização de diferentes análises espectroscópicas em sequência assim que os produtos deixam a célula a combustível.
Um foco do trabalho é justamente a compreensão de como o metano interage com os catalisadores nobres necessários para concretizar a reação em baixa temperatura, particularmente eletrocatalisadores de platina e paládio. “A gente tinha experiência com hidrogênio e com a oxidação de álcool, e precisávamos entender como funcionava o catalisador no caso do metano. Inicialmente, fizemos estudos eletroquímicos fundamentais para identificar as reações que poderiam estar acontecendo e, com isso, poder propor mecanismos para a oxidação ou ativação [quebra] do metano”, detalha Oliveira Neto. “Ainda é necessário aprofundar esses estudos, mas o que a gente observa é a formação de algum tipo de radical de metano, que provoca a formação dos produtos da reação”, registra.
“O eletroquímico geralmente olha para o que é adsorvido no catalisador e para a reação de oxidação. Quando começamos a trabalhar com a conversão de metano em outros produtos, identificamos uma influência muito grande da formação de radicais, principalmente os radicais hidroxila (OH). Estamos, portanto, trabalhando com um dispositivo eletroquímico em que outra variável adquire importância, pois tiramos energia não só da oxidação do metano, mas também da ativação da água, da quebra da molécula água, da qual são formados os radicais que, por sua vez, formam o metanol e outros produtos”, complementa Souza.
Publicações
Em artigo publicado recentemente, no periódico Ionics, os pesquisadores destacaram justamente esse papel da ativação da água na geração de produtos a partir do metano. Intitulado “Partial oxidation of methane and generation of electricity using a PEMFC”, o artigo tem autoria também de outros pesquisadores no IPEN, e foi publicado em agosto de 2019. Dentre os demais autores está Júlio Nandenha, pesquisador de pós-doutorado no CINE, junto a Luis Marcelo Garcia Silva e Eric H. Fontes, bolsistas de doutorado do Centro.
Dois outros artigos recentes refletem, em grande medida, a história das pesquisas, desde o início em outro centro de pesquisa apoiado pela Fapesp e pela Shell, o Centro de Pesquisa para a Inovação em Gás (Research Centre for Gas Innovation, RCGI). “No RCGI, nosso foco era a geração de energia elétrica. Nas pesquisas reportadas nestes artigos, nós descobrimos que a corrente gerada estava relacionada justamente à formação do metanol, que depois virou o foco do nosso trabalho no CINE”, relata Oliveira Neto.
Os artigos, intitulados “Methane activation at low temperature in an acidic electrolyte using PdAu/C, PdCu/C, and PdTiO2/C electrocatalysts for PEMFC” e “Activation of Methane on PdZn/C Electrocatalysts in an Acidic Electrolyte at Low Temperatures” foram publicados, respectivamente, nos periódicos Research on Chemical Intermediates e International Journal of Electrochemical Science, em março de 2020 e outubro de 2019. Na lista de autores, neste caso, figuram também o pesquisador do IPEN Fábio Coral Fonseca, que coordena a divisão M2P do CINE; Andrezza S. Ramos, pesquisadora de pós-doutorado no Centro; e Monique C. L. Santos, bolsista de doutorado. Os trabalhos registram também a participação de outros pesquisadores, incluindo parceiros da Universidade Federal do ABC (UFABC).
Por fim, um quarto artigo, intitulado “Direct Alkaline Anion Exchange Membrane Fuel Cell to Converting Methane into Ethanol”, reporta a construção de um dispositivo que, embora bastante semelhante ao envolvido nas produções anteriores, opera em meio com pH mais alto (alcalino). O trabalho foi publicado no periódico Chemistry Select, também em 2019.
Foto: Reator em operação, com injeção de metano e vapor de água de um lado e oxigênio umidificado de outro. Produtos da reação são imediatamente submetidos a diferentes análises espectroscópicas (Crédito: Divulgação)