Estudo computacional revela como se formam nanoligas promissoras para aplicações em catálise
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Resultados devem ajudar o desenvolvimento de nanoligas bimetálicas, usadas em reações importantes para a transição energética
A platina e outros metais de transição têm aplicações consolidadas e de grande relevância em catálise, como, por exemplo, em células a combustível e na obtenção de hidrogênio, apresentando bom desempenho para uma variedade de reações. Utilizados como catalisadores, esses metais têm potencial de facilitar as condições dessas reações e, assim, a expectativa é que nanoligas a base de platina tenham papel importante na otimização de algumas dessas reações, ao combinarem propriedades de duas espécies químicas distintas (elementos químicos diferentes) e, inclusive, apresentarem propriedades únicas advindas do sinergismo entre esses componentes.
Além da sua composição – ou seja, dos elementos químicos presentes –, a morfologia e a distribuição de cada tipo de átomo nas partículas também afetam as propriedades físicas e químicas únicas das diferentes nanoligas. Uma dessas possibilidades de ordenamento origina estruturas do tipo “core-shell” (casca-caroço). Nelas, o caroço pode ser de um material e a casca de outro. Para melhor visualização, podemos comparar essas estruturas a uma trufa ou um bombom de chocolate recheado, em que o recheio é o caroço e a cobertura de chocolate faz as vezes de casca.
Esse tipo de estrutura traz várias vantagens, dentre elas a possibilidade da espécie química (elemento) do caroço ser protegida do ambiente químico externo pela espécie que forma a casca. Por exemplo, se o ambiente em que ocorre a reação química for muito corrosivo para um determinado metal, a presença de uma casca composta de outro metal pode proteger o material de eventuais danos. “Além disso, durante as reações, podem ser formados compostos que se ligam fortemente à superfície, à casca das partículas, bloqueando sua atividade, no processo conhecido como envenenamento catalítico. Como cada tipo de metal tem uma interação diferente com esses produtos, a possibilidade de fazer diferentes combinações casca-caroço pode ser útil para controlar a eficácia das partículas e sua resistência ao envenenamento”, explica o pesquisador Paulo de Carvalho Dias Mendes, doutorando no Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da Universidade de São Paulo (USP).
A identificação dos descritores – parâmetros físicos e químicos – mais importantes para a formação e a estabilidade de estruturas do tipo core-shell em nanoligas – configurava lacuna importante no conhecimento dessas partículas, agora preenchida com os resultados de pesquisa realizada pela divisão de Ciência Computacional de Materiais e Química (CMSC) do CINE, sediada no IQSC.
A pesquisa consistiu na modelagem computacional, a partir da Química Quântica (estudo ab initio com base na Teoria do Funcional da Densidade, DFT), de 330 nanoligas de platina com outros metais de transição. Foi realizada a avaliação da relação entre propriedades e estabilidade para 22 composições únicas de combinações entre dois metais. A etapa de modelagem – no nível atômico – em geral é crucial para a compreensão desses materiais no nível fundamental, o que permite, posteriormente, a sua otimização para o uso em aplicações tecnológicas. Nos estudos chamados de ab initio, ou seja, realizados sem parâmetros empíricos, a partir de princípios fundamentais, a principal contribuição da Ciência Computacional é a possibilidade de estudar detalhadamente uma grande quantidade de materiais para fornecer critérios que podem auxiliar a reduzir custos e tempo de experimentação.
A partir das análises realizadas, que buscaram relações entre energia de excesso e as propriedades geométricas, eletrônicas e energéticas das nanoligas, os pesquisadores identificaram os fatores que dirigem a formação de estruturas do tipo casca-caroço no modelo de 55 átomos empregado. O modelo permite combinar 13 átomos no caroço e 42 na casca de um icosaedro ideal (formato de um dado de 20 lados). Além do icosaedro, as nanoligas foram testadas em diversos outros formatos.
Dentre os principais resultados encontrados, está a constatação de que as nanoligas são mais estáveis quando a superfície (casca) é formada pela espécie química com maior raio atômico e menor energia de superfície, o que reduz a tensão e favorece a estabilidade. Para a maior parte das nanoligas, também se constatou que estabilidade adicional advém da transferência de carga do núcleo para a superfície, quando há grande diferença de eletronegatividade entre as espécies químicas empregadas.
Esses resultados foram reportados no artigo intitulado “Ab Initio Insights into the Formation Mechanisms of 55-Atom PtBased Core-Shell Nanoalloys”, publicado no final de 2019 no periódico The Journal of Physical Chemistry. O artigo é assinado por Mendes e pelo coordenador da CMSC, Juarez Lopes Ferreira da Silva, docente do IQSC, junto a outros integrantes de seu grupo de pesquisa, o Grupo de Teoria Quântica de Nanomateriais (QTNano), bem como por parceiros da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), campus de São José dos Campos, e da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). No momento, diversos outros estudos estão em andamento no QTNano para compreender a natureza de nanoligas e suas diversas aplicações.
A pesquisa já realizada contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e da Shell, por meio do apoio ao CINE, bem como obteve recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Imagem: Icosaedro representado a partir da estrutura calculada, em que cada cor representa um metal (Crédito: Paulo de Carvalho Dias Mendes)